Poem to a Horse

- Moça.
- Sim.
- Por que a casa está cheia de pelos?
- Eu ganhei um cavalo.
Silêncio.
- Quem teria te dado um cavalo?
- Eu não sei se ganhei, mas com certeza não comprei. Quando uma coisa aparece a gente ganha ela?Por que ele na verdade apareceu. Acho que não vou saber ao certo por que a gente não deve se apossar das coisas que aparecem. Principalmente se for um cavalo que é um bicho que não para quieto.
- Parece coerente.
- Se o cavalo que tenho agora, não for meu, será que ele vai embora? Será que vai morar em outra casa, em outro reino que não seja o meu? Se for.
- Eu realmente não tenho como saber.
- Bom, de todo modo, por ora, eu tenho um cavalo negro.
- Certo. Você tem um cavalo. E o que teria ele a ver com os pelos no chão da casa? Até onde sei, cavalos não soltam tanto pelo.
- Oráculo?
- Sim.
- Sabe, há muitas coisas das quais você não sabe, ouviu?
- Por exemplo?
- Do meu cavalo por exemplo. Ele é muito grande. Uma pessoa enorme... Mas que gosta de deitar nos meus pés quando o dia tá muito frio e chuvoso em mim. E quando o dia está quente ele não me sufoca. É uma presença agradável. De quem não pede de mais e nem precisa de muito. Eu nem sei dizer o que ele come. E tem dias que ele demora muito a dormir. Dorme comigo sempre... as vezes um pouco antes de mim, mas geralmente ele espera pra depois que eu durmo.
- Isso não é um cavalo. É outra coisa, pode ser que seja um homem. Tem certeza de que não é um homem?
- Não, não tenho. Mas é um cavalo.
- Como pode ter tanta certeza?
- O que mais pode ser tão forte e tão dócil? Tão abalizado e tão carente ao mesmo tempo? Eu nunca vi nada parecido. Nunca vi mesmo. Mas também nunca tive outro cavalo. Além daquele que habita em mim, é claro.
- Não tem um cavalo habitando em você, moça. Tem um dentro de Loreley. Você precisa parar de ler essas histórias.
- Ora mais Oráculo, há um animal dentro de todos nós. E agora eu tenho um por fora. Correndo solto pelo meu reino.
- O Reino... moça: eu gostaria que você se concentrasse nas coisas que precisa fazer. E não fantasiasse tanto com reinos, cavalos e cavaleiros.
-Eu sei. Eu fiz um poema:
“Dentre todas as esfinges, és a criatura mais doce desta terra. A mais viril, a mais rápida e incansável delas. E a única que em nada me devora. Desejo veementemente ter esses teus olhos negros e afáveis. E que, deitada em teu dorso, me conduzas ao teu lugar favorito, onde a relva assim como és, seja doce e fria. Que me deixes apenas recostar em teu pelo... e dormir. Um sono profundo enquanto me guardas. E que depois pouse a cabeça no meu colo... que caiba nele, afim de que eu te vele. E de que você descanse.”
- É bonito?
- Eu não gosto. Você não sabe usar dessa pessoa no verbo. E não se escrevem poemas para animais. Ainda mais para um cavalo.
- Me desculpe.
- Se esse animal for ficar por aqui agora, onde estão as rédeas e entre-olhos?
- Não. Eu não teria coragem. Tão pouco conseguiria domá-lo. Não, ele é selvagem. E livre. Como eu sou por dentro. Como o mar. E ele está molhado de mar agora.
- Isso pelo menos explica os pelos no chão.
- Oráculo, você está cansado de novo?
- Sim, ainda mais agora, com um cavalo selvagem correndo pela casa.






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poético

Puerpério

Des-culpa