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Revelação

  Eu estou apaixonada, mas não estou fora de mim.  Há tempos não me sinto tão presente e concisa. Vejo em cada caco o reflexo de meus desejos e medos. Algumas lentes tem caído e se quebrado, e uma nova vista se revela. Se manifestando da forma mais pura possível: em negações, birras, projeções e mecanismos menos ou mais elaborados para me defender e retornar ao conhecido, ao confortável. No projetor, armo brigas que intuitivamente sei que são um desejo de ser seu foco. Você me diz o que eu realmente quero. Eu nego. No outro dia a negativa cai. E quando sai do negativo, em papel brilhante o cenário se revela.  Só eu não percebi.  A cena sempre soube de si, o panorama estava claro e luminoso. Alego ter perdido um detalhe, "eu não tinha percebido, mas me desculpe, agora eu vejo." Te convido pra uma simbiose que é o conforto de co-depender Você nega, eu choro.  Você não vai embora E eu aprendo.  Não precisa chorar. Você me diz, não precisa chorar. Eu alego não ter percebido o det

Quem roubou nossa coragem para o amor?

  Em que ponto perdemos nosso viço? Foi a chibata ou o deus de amor que deixa bater e que mata? Quem roubou nossa coragem de reerguer? Catar os restos de nossos amores? Da história de nossos ancestrais? Quem sugeriu que algumas pessoas virassem silêncios? Uma vergonha que não foi mencionada até ser esquecida?  Quem nos ensinou a nos devorar e consumir ou nos prender? Quem nos convenceu de que nao temos tempo de vida para o amor? Que nossos corpos são feitos de trabalho e sexo? Quem tirou nosso tempo de repousar os dedos sob qualquer pele que se disponha? Quem nos vetou o repouso? Quem nos cortou os dedos? Quem captou o tempo que nossos olhos podem parar uns nos outros? Quem nos furtou o tempo? Quem furou nossos olhos? Quem nos constrangeu a caminhar livremente com as mãos entrelaçadas com os que são como nós?  Quem nos negou a liberdade? Quem acorrentou nossas mãos?

Escrita II

  Eu soube recentemente que não escrevo poemas, as vezes são crônicas, outras vezes eu mesma chamo apenas de textos. Mas acho poema uma palavra tão bonita que intento que o que escrevo se torne um, algum dia. Eu te acho muito bonito também. Assim como a palavra poema. Ou poesia, que é outra palavra que além de bonita me faz pensar nos seus olhos. Se você me flagrasse agora pensando nos seus olhos, certamente me diria sorrindo algo impudente e toda a poesia do momento seria um Gregório de Matos, e e u detesto quando você faz isso, sinto meu amor rejeitado, jogado no chão e chutado por uma criança risonha e birrenta, que só quer brincar e correr loucamente. Mas raramente digo algo, apenas cato meu amor Lispector que você acidentalmente ou propositalmente derrubou, limpo a fuligem e o pó do chão, digo que vou guardar com mais cuidado, e não dividirei algo tão elaborado com essa criança que reside em você. Que só mostrarei ao homem em quem as vezes você vem, mas sei que quase sempre que el

Escrita

  Eu escrevo uma poesia, toda vez que penso em dizer que eu te amo.  Entendi que deixar certas palavras no mundo é um ato de amor mais poderoso do que confessá-las a poucas pessoas.  Se meus poemas tocarem um alguém, que tocar alguém, que tocar alguém e esse ultimo alguém for você, eu te terei tocado, e com isso terei dito que te amo.  Talvez, para te tocar mais rápido eu devesse escrever músicas. Por que você ouve música o tempo inteiro. Mas eu não sei escrever músicas, eu escrevo poemas. E não sei com qual frequência você os lê. Não os meus que eu quase nunca te mostro, mas os de alguém que foi tocado por alguém como você, e decidiu escrever. Como eu.

Chuva Ácida

O mundo está pegando fogo, sabe? Está tudo insuportável, todo mundo diz o que quer quando pode ficar calado e fica calado quando deveria dizer algo. Tocaram fogo, literalmente, em vários ônibus... tem um bairro todo sem água, não tem vacina. Tem gente fazendo festa na mesma proporção que tem gente fazendo velório. A TV se diverte mais com tudo isso do que diverte a gente. O presidente é genocida, mas é só a ponta do iceberg. Está todo mundo um pouco assassino, um pouco suicida. E eu queria que a gente tivesse definição. Queria já estar rica deitada num palacete, num quarto com uma grande porta de vidro pra varanda, vendo a chuva cair com você no meu peito. Os sonhos dos pobres parecem simples. Mas por alguma razão assustam os ricos. Nem é com dinheiro que a gente sonha É com o momento ininterrupto. É a gente deitado sem nada que nos obrigue a levantar senão vontade. A chuva não molha a casa, não tem hora de trabalho que nos comprometa a subsistência. Não temos que cuidar de nada nem ni

Sol

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Acordei devagar um dia desses e o sol tinha invadido o quarto  pela fresta da janela que esqueci semiaberta, e se escondeu na curva do seu ombro.  Como quando nasce entre as colinas e anuncia um dia manso e quente, o sol nasceu nas curvas do seu corpo.  Aconteceu no único dia que eu não trabalho então pude olhar sua pele dourada acolhendo aquele raio.  Os pelos pareciam a grama banhada pelo irromper do dia. Tenho me apaixonado pelas pequenas coisas em sua companhia e agradeci em silencio por todos os meus sentidos. Fotografei de verdade dessa vez, espero que nao te chateie.  Mas da ultima vez que me apaixonei por você assim e a foto ficou só na mente, me arrependi. Tenho me apaixonado pelas pequenas coisas em sua companhia. Se bem que dessa vez achei a cena grandiosa, exuberante e como não sei quanto tempo passei olhando, acabo me repetindo: Tenho me apaixonado pelas pequenas coisas em sua companhia.

Vacância

Você se gabou de andar distraído, e as vezes, ou quase toda vez que você faz alguma alusão a isso eu  me sinto cobrada ao mesmo.  O impulso de desgaste que eu tenho com pessoas com tempo livre, beiram um inveja mesquinha Não só de ter o tempo livre, porque eu reconheço que sou eu quem me encho de ocupações Mas de saber fazer nada com o tempo que tem. Sua despretensiosa apologia ao ócio, a despreocupação  Contradizendo seu sono ansioso Sua áurea inquieta Tua camisa favorita com a frase "on vacation" Admirei tanto que pude vê Que a leveza e a distração de quase todos os homens, é o peso na vida de quase todas as mulheres. Que se a carga que a tua mente leva quanto a manutenção da própria existência é leve, é lógico, as férias são eternas. Mas enquanto você descansa, de quem é a mente inquieta? Quem é a mente que planeja, que desenha, que gerencia? De quem é a guarda dos teus assuntos, teus documentos, tua história? Quem vigia teu guarda-roupa, tua despensa, tua caixa de remédio

Poético

 Uma noite dessas você perguntou a si mesmo quem você tinha se tornado, ou o que estava se tornando, algo assim, não lembro com detalhes mas parecia distante da ultima revisão que você tinha se feito. A gente estava na varanda comendo pizza, já era tarde da noite e tínhamos conversado muito sobre meus assuntos favoritos e como sempre apronta de ser essas coisas de gostar de alguém, são os assuntos que você mais evita falar sobre. Você não parecia feliz com a sua reflexão, de quem era agora. Eu queria dizer algo, mas não disse nada.  Só do que lembro perfeitamente é que você estava com o olhar perdido, como na primeira vez que você foi me visitar, naquela casa das janelas grandes. Lá você sentou na cadeira do meu quarto e ficou absorto. Fotografei mentalmente aquele instante, constatei que mesmo tendo te visto poucas vezes tinha acertado bem na referência de como você é bonito. E mais uma vez lá estava você, ou melhor, aqui. Divagando... questionando o próprio rumo.  Se você tivesse me

Cabeceira

  Eu me pergunto se você pensa em mim ao longo do dia Se é possível que você nem se recorde da minha existência, quando toda vez que você me passa na cabeça, eu me arrepio. Eu também espero não ser uma tarja nos seus pensamentos. Eu espero que quando vir uma mulher interessante na sua, não lhe ocorra meu rosto ou meu ciúmes recém adquiridos, como uma leve preocupação que anuncia um obstáculo aos seus afetos. Como uma boa sonhadora eu sei a medida de tudo que quero. Inclusive o quanto e como quero estar numa cabeça que nem é minha. O problema é eu só querer tudo sob minha medida. Eu quero te ocorrer durante o dia, como uma coisa que te faça rir, mas nao é isso que eu semeio. A denúncia mais escancarada de tudo que sou são esses meus desejos. Essas fantasias. Esse contos de bruxa onde eu te habito com uma leveza que eu sequer existo.

Á parte

Oi Vem sim! Quer comer?  Olha aqui pra mim? Me pergunte alguma coisa? Anima saber minha história, minha opinião Me pergunta se eu faço algo, se eu gosto e o porquê Me conta uma história que seja sua, ou que você gostou de ouvir Me diz a última vez que você riu da barriga doer, e me conta de que foi Me fala um sonho, daqueles que todo mundo diz que é impossível mas que mesmo  com o passar do tempo você não conseguiu esquecer, e que ainda faz seu coração acelerar. Me fala um medo bobo. Me conta mais uma vez de quando alguém te fez sentir bem pra caramba. Pode repetir historia, filme, série, livro, revista mas fala de você, do que vc viu, chorou, riu... pode ser?  Não precisa ser nada sério, não precisa ser um assunto profundo, não precisa ser denso ou pesado.  Mas fala comigo, fala de ti. Me conta as coisas, olha para mim. Ou então olha pra o teto mesmo. Mas não olha tanto pra essa tela quando estamos, os dois aqui. Quando a gente é capaz de ver. Quando a gente podia estar aproveitando e

8 de março

  Nem toda mulher ama flores... ...mas toda mulher já foi comparada a uma rosa no 8 de março ao ser resumida à delicadeza, beleza e perfume, como se fosse um objeto. Nem toda mulher sofre calada... ...mas toda mulher em algum momento foi ensinada que essa é a forma mais segura e sábia de viver. Nem toda mulher sangra todo mês... ...mas toda mulher já teve sua indignação deslegitimada em nome de uma suposta TPM. Nem toda mulher se alegra em servir... ..mas toda mulher já foi colocada nesse lugar, mesmo ocupando outra função em casa ou no trabalho. Nem toda mulher materna... ...mas toda mulher já foi responsabilizada por fazer sozinha a manutenção da vida de alguém, até mesmo de um adulto capaz de cuidar de si. Nem toda mulher ama homens... ...mas toda mulher já foi tratada como uma perseguidora incansável da atenção masculina, ainda quando outras mulheres, ou a solitude lhe interessavam mais. Nem toda mulher é delicada... ...mas a toda mulher é cobrado demonstrar eterna paciência, didát
 Basta saber que existe uma mulher que o ama Uma mãe, tia ou avó rezando e esperando que ele chegue bem Um afeto que aguarda ansiosamente o dia de ser visitado por ele Que o homem negro procura novas formas de não chegar, de não voltar pra casa

Maria

Ela passa por mim na rua Sempre em movimento, mas com os olhos parados. Os olhos dela encontram os nossos a qualquer distância, no meio de qualquer multidão. Ela me lembra quase toda poesia que eu já ouvi Seu olhos sim, oblíquos e dissimulados, transbordam mistério  E escondem muito mais do que revelam  Revolucionária.  Ponta de lança, certeira, ligeira. Corre um mundo que podia ser de luta e grito Mas ela já entendeu, que seu mundo e a maior revolução que ela vai promover É ser um corpo de afeto.

Conversa com o espelho

Adultecer é um trabalho infernal. E não tem quase nada ou ninguém ao seu redor que vá te incentivar a fazer isso. A maioria dos conselhos que você vai encontrar é para que você continue se comportando como uma criança, quanto mais velha você for, mas bem fundamentado e elaborado será o argumento para isso. Talvez tenha até referências bibliográficas. E as pessoas inclusive costuma ter um gozo sinistro de comparar idosos e crianças e isso me dá calafrios. Mas o que eu queria dizer era que pouca coisa, ou muito provavelmente numa embalagem que você aprendeu a desacreditar, irá te incentivar a crescer. A entender que você vai errar sim, com coisas e pessoas e a não fugir disso. A entender que quando errar pedir desculpas não vai resolver na maioria das vezes, mostrar arrependimento também não, ficar mal também não mas nao fazer nada disso é falta de respeito com os sentimentos dos outros. Que talvez nada resolva, talvez seja só pra ficar ali e esperar ser perdoado, uns dias mais que outro

Apena

Essa semana você soube que estou apaixonada por você Tentei não chorar de vergonha na hora e curtir o resto do tempo, mas hoje tudo veio de vez. Mesmo tendo achado um abuso a forma como você arrancou a informação. Mas reconheço que por mais suave que tivesse sido ela não era sua. Era minha. O sentimento é meu.  Acreditei fortemente que passaria antes que você pudesse saber, e talvez daqui há 10 anos numa roda de vinho e amigos em comum, a gente falasse sobre paixões passadas e eu talvez dissesse: eu fui apaixonada por você por um tempo. Eu não contava olhar pra você quando você soubesse disso e ainda ser uma realidade. Não foi só algo que não saiu como planejado, mas um prenúncio de um monte de coisas ruins que já me aconteceram. Informar a um homem negro que você tem sentimentos por ele, na minha trajetória, é quase como jogar água num equipamento eletrônico e esperar bom funcionamento. É a forma mais seca de despedida.  Sinto que devo me afastar agora. E esse sentimento é além de tri

Psíquica

 Eu não lembro da primeira vez que aconteceu Mas lembro de algumas ocorrências Dentro de algum trato social básico Alguém diz algo e uma frase fica pendurada Pra mim o fato é tão gritante como se parte do rosto da pessoa tivesse caído e se segurasse por pouca pele ali pela altura do queixo Eu aponto: algo ficou pendurado A pessoa não nota, não vê, ninguém vê. Eu penso comigo mesma a primeira coisa que penso quando qualquer coisa acontece: será uma alucinação? Afirmo: alguma coisa ficou pendurada, uma frase, uma palavra, uma ideia, tem algo pendurado, algo não foi dito. A pessoa nem checa a si mesma porque ela sabe o que é mas não quer dizer, e afirma: não tem nada a dizer, é só isso. Então o processo começa e eu já sei que vai piorar A respiração fica lenta, pela taquicardia Respirando com dificuldade perco um pouco de atenção e equilíbrio Algo pulsa dentro dos meus ouvidos e sinto como se cabos saíssem deles e me ligassem a algum lugar O estomago revira e algo insiste em sair dos meus

Oceano raso

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  Eu sempre demoro a tirar nossas coisas do café da manhã. Amo estar só, mas adoro a sensação que me invade quando chego em casa E é quase noite, mas duas xícaras sujas de café repousam em cima da mesa da cozinha Tenho a impressão de que quando eu ligo a luz elas congelam num susto. Quase como se fossem flagradas conversando, rindo de alguma coisa. Como a gente geralmente faz, ali sentados a mesa, como se tivéssemos todo tempo do mundo. Eu tenho uma rotina intensa e meio absurda as vezes. Mas nunca quando você vem. Pra você eu sou inteira tempo livre e tranquilidade. Nem é que eu simule isso mas na verdade não seja, é que eu sou mesmo uma amante disponível.  Eu sou uma mulher fácil. Não me proponho a jogos, coisas não ditas, mistérios, segredos… dizem que eu sou o exato tipo de mulher que não interessa a pessoas como você. Na teoria você gosta do turvo, do não dito, do oculto. Eu não tenho mistério, eu troco as roupas de cama antes de você chegar, e não uso seu travesseiro p
Ontem a noite, pela primeira vez em todo esse tempo de pandemia eu tive vontade de ir pra rua Voltando de uma prova, passei pela praça e vi as famílias passeando e as pessoas se divertindo, conversando, comendo. Como se o vírus não as atingisse. Estivessem protegidas, do outro lado. Eu nem lembrava o quanto eu gostava dessa praça, e não sei porque vim tão pouco nela durante esses quase 29 anos.  Queria muito chegar em casa, deixar minhas coisas e voltar andando pra ela, sentar, encontrar alguém pra conversar.

Des-culpa

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Eu perdi minha característica mais notável, a paciência  Mas acho que no fundo, no fundo as pessoas sempre se enganaram nesse aspecto Eu tenho paciência pra tudo menos para o afeto De afeto eu tenho urgência Uma urgência violenta e ruidosa Como uma onda forte que quando quebra, quebra também os silêncios, os momentos e as entrelinhas De afeto eu sempre falo tudo Eu quero tudo  Eu ofereço tudo  Meu corpo treme, o sono falta, a fome some ou soma Eu faço tudo desatentamente Sempre me desculpo Mas me des-culpar não me isenta da febre Não abafa o ruído, não acalma as ondas  Não impede que eu afogue o  afet(ad)o Que eu não o assista sufocado, lutar pra respirar Que eu não me culpe por ir tudo tão de vez sempre Que eu não tema que ele não suporte, que sucumba e alguém arraste só o corpo para fora Não impede o sentar na beira depois que a água tudo matou  Não impede que eu culpe a minha culpa, e a minha desculpa.  A culpa de ser naturalmente um grande corpo de agua A desculpa de estar afeiçoad