Escrita II

 

Eu soube recentemente que não escrevo poemas, as vezes são crônicas, outras vezes eu mesma chamo apenas de textos. Mas acho poema uma palavra tão bonita que intento que o que escrevo se torne um, algum dia.
Eu te acho muito bonito também. Assim como a palavra poema. Ou poesia, que é outra palavra que além de bonita me faz pensar nos seus olhos.
Se você me flagrasse agora pensando nos seus olhos, certamente me diria sorrindo algo impudente e toda a poesia do momento seria um Gregório de Matos, e eu detesto quando você faz isso, sinto meu amor rejeitado, jogado no chão e chutado por uma criança risonha e birrenta, que só quer brincar e correr loucamente.
Mas raramente digo algo, apenas cato meu amor Lispector que você acidentalmente ou propositalmente derrubou, limpo a fuligem e o pó do chão, digo que vou guardar com mais cuidado, e não dividirei algo tão elaborado com essa criança que reside em você. Que só mostrarei ao homem em quem as vezes você vem, mas sei que quase sempre que ele vem e eu mostro meu amor, a criança o toma, fazendo um jogo cansativo entre suas personalidades e meus sentimentos. O que me repele, brinca e troca de lugar com o que me cativa e eu me sinto cansada, mas ao mesmo tempo com vontade de permanecer do seu lado. Parece que amar e ser amado, é esse anseio e esse cansaço. Como uma amiga leu pra mim numa noite de domingo chuvosa, logo depois do dia dos namorados, um poema que falava que relações são distinções que decidiram coexistir. Somos métricas opostas, viemos de lugares e épocas diferentes mas decidimos coe(s)istir.

Somos opostos principalmente porque sua criança é livre, você deixa que ela saltite entre suas conversas, e pensamentos, as vezes parece que vc vai encolher e correr pela casa, gritar palavras baixas, partes do corpo que acabou de descobrir ou puxar o gato pelo rabo a qualquer momento. A minha criança não conhece liberdade, é reprimida, está em algum canto escondida olhando a sua brincar, cheia de regras, e proibida de existir. Talvez sua criança resgate a minha, ou a minha ajude a sua a sossegar um pouco, não sei. Talvez elas é que tenham uma relação e a gente só se encontre e as põe no mesmo espaço, um corpo deitado do lado do outro, ou em pontas opostas da mesa que eu insisto em por.

Nós somos uma escrita moderna. Uma poesia. Uma crônica. Um texto. Tudo num só. Somos duas faces de uma mesma moeda, dois polos, dois corpos, dois adultos, duas crianças e um poema que a gente vem escrevendo dia a dia, meio eu, meio você. Somos Lorelei e Ulisses na Boca do Inferno, meio Clarice, meio Gregório.

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