Casamento

Toda a vez que desde criança ouvia minha mãe dizer o que eu tinha e o que eu não tinha que fazer para o meu marido, eu sentia um frio na espinha.
Quando eu era mais nova, meu medo era não acertar limpar a casa. Depois passou.
Nunca entendi por que um homem deveria ser tão importante.
E com o tempo essa inquietação começou a ficar mais forte do que eu.
E eu logo mais resistia em aprender o serviço doméstico, não podia colaborar pra a vida continuar sendo assim.
Eu nunca engoli essa história de servir alguém, que não é Deus, infinitamente como conceito de felicidade.
Minha mãe falava: todo mundo precisa casar um dia.
e eu me perguntava por que eu sentiria necessidade de trabalhar pra alguém que só faria por mim algo que eu poderia fazer só: me sustentar.
Eu também não entendia por que eu deveria obedecer uma pessoa que não sabe preparar a própria comida, nem sabe limpar o ambiente em que vive. Isso é praticamente estado vegetativo. por que eu obedeceria uma samambaia cheia de caprichos?
Minha lógica era: se eu que tenho que limpar, cozinhar e cuidar dele, será meu filho, não meu líder.
Eu era muito radical, dizia minha mãe.
Mas minha lógica até que tinha algum sentido.
 E fui descobrindo com o tempo que muitos, muitos casamentos eram e são exatamente assim.
Mas hoje sei que via as coisas daquele jeito por que estava sendo treinada pra coisa certa, mas pelos motivos errados.
O que minha mãe podia me dizer?
Ela jamais gostaria de ouvir outras mulheres dizerem que ela não criou a filha "direito".
Seria um atestado de ineficácia.
Não a culpo.
Mas me responsabilizo por ter levado tudo aquilo tão a sério.
Por ter decretado guerra aos homens, e mais tarde às mulheres que os defendem quando estão errado.
Por fim declarei guerra a mim mesma ao me dar o mínimo através de relacionamentos com pessoas que eu não confiava, pois "os homens são assim mesmo".
E acaba sendo tudo sobre confiança mesmo.
Hoje sei de pelo menos um homem que não é assim, e com alguém como ele, quem sabe valesse a pena. E sei de mim que não sou, talvez eu valha a pena.
Hoje sei que casar não se tratar de trabalhar de graça pra alguém.
Depois que descobri o que casar realmente é, passei a perceber que se fosse a relação chefe-empregado contra a qual eu guerreei seria muito mais simples.
Pra ser sincera agora eu tenho medo de casar.
Tenho medo dos relacionamentos em várias etapas,
mas a ideia de casar me apavora mais a cada dia que passa,
embora segundo os critérios da minha mãe, estou a cada dia mais pronta pra isso.
No fim das contas descobri que quando você não quer viver sem outra pessoa, limpar a casa e cozinhar só fazem parte de uma existência que flui enquanto houver vida.
Dividir essas tarefas sempre vai ser uma demonstração de apreço e admiração com quem a gente vive, uma prova de que você não se sente superior a outra pessoa que divide o espaço com você, seja um amigo, seus pais, irmãos ou sua esposa.
Mas viver a dois é muito mais do que isso... isso é só a rotina.
O grande desafio disso tudo é dar a outra pessoa o passar das horas.
Dar os dias chatos, as irritações momentâneas, o riso frouxo que coincide acidentalmente com a dor do outro e gera um atrito.
Dar o perdão a coisa boba com o pedido de desculpas e as coisas sérias acompanhada de às vezes silêncio, as vezes cinismo.
Saber que vai ofender e magoar alguma vez pelo menos. Ser perdoada, alguns dias mais do que outros.
Morrer de agonia por tentar por algo pra fora e não ser ouvida, e talvez tentar ouvir quem não quer dizer.
Haverá dias de ser mal interpretada, haverá dias de interpretar.
E saber que em algum momento fara o papel inverso.
E no dia seguinte olhar a pessoa dormir e fazer com muito esforço o exercício de levar em conta o que há de bom.
Saber que o bom senso que achamos que temos é sempre imaginário e pode ser que o senso do outro seja melhor que o nosso.
Não sentir ciumes, não sentir inveja ou se perdoar caso isso aconteça e fazer questão de compensar o desgaste.
É ser tão cúmplice e um admirador tão profundo e leal do outro a ponto de não contar a outros os pequenos delitos, e não contar nossas míseras vantagens.
É saber que haverá dor, coceira, irritação, sujeira, paranoia, tpm, inchaço, haverá doença, haverá tratamento.
Às vezes haverá remédio, às vezes estará remediado.
Haverão coisas que não estão no script, nos livros, nos conselhos, nas rodas de conversas e coisas que não estão nesse texto.
Fora o tanto que pode dar errado.
Por todas essas coisas eu tenho medo.
É medo de falhar na verdade.
Por que no frigir dos ovos, tenho pensado que casar é ser magoado e chorar nos braços do ofensor, é fracassar e não ir embora.
E eu quero fazer o jantar pra alguém, um dia, apesar do medo de que não saia bom.










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