Hoje e desde sempre

Hoje é um dia muito difícil pra mim, todos os anos é muito difícil.
Um dia que não dá pra ignorar meu luto pelo meu lugar de filha.
Meu papel que nasceu morto por ter um pré-requisito que não consegui atender.

E eu tentei...Meu Deus como tentei desde quando me entendo por gente. 
Tentei tanto, que me perdi, que desisti de mim, que aceitei viver desejando morrer ao fim de cada dia por 17 anos mais ou menos.


Tanto que perdi minha infância e adolescência tentando.
Tentando fazer o que me pediam para ser aceita, para ser amada. Até desistir.

Até começar a entender que eu mereço mais que uma vida de mentiras.
Mais do que um teatro de um sentimento que eu não tenho.
Viver fingindo apreciar um alimento do qual nunca tive fome.
Viver falando de um assunto que não me interessa. 
Eu ganhei uma vida, não é possível que eu só mereça ela se eu viver algo que não é sincero em mim, que tenha que ser adjetivada de ruim, impia, iníqua, má, por não sentir algo que eu me esforcei com todos os anos, energias, e recursos que eu tinha pra sentir, sem sucesso.
Eu ainda não sei a resposta. Ainda não sei se tenho direito de estar viva. Se tenho o direito de me sentir bem. Preciso me convencer disso todos os dias pra não ser devorada pela culpa de não ter a mesma fome que minha família tem. 
Talvez esse luto seja eterno, mas hoje, ele é maior que eu. 
Me sinto injustiçada... e não gosto de sentir isso.
Mas tenho me perdoado por esse sentimento, porque deveras não foi justo, eu era um criança, e não internalizei as regras do jogo a tempo de saber que não valia fingir pra ter um lugar.
Sinto que irei pagar infinitamente por esse infortúnio temporal. 
Esse atraso... esse...esse azar.
Mas não teve técnica que eu não tentei, não teve entrega que eu não fiz, não teve promessa, pacto, troca que eu não propus pra ser quem eu precisava ser pra estar com os meus. 

Sem resposta, sem sucesso. 
Fica o luto diário, e a luta.

Aceitar que as coisas são assim. Que as pessoas podem decidir não nos amar por quem somos, mas sim pelo que fazemos, e que não há nada que possamos fazer para que elas pensem diferente.
Aceitar que elas têm o direito de dizer o que pensam e de dizer coisas ruins, duras e complicadas que fazem a gente se arrepender por ter acordado. Que fazem a dor se perder no corpo. 
E entender que eu também tenho o direito, de me perdoar, me pegar no colo, me unir a quem aprecia minha existência, apesar das expectativas que não consigo alcançar.
E tentar entender que isso é suficiente, que eu não sou um fracasso de vida por não ter meu lugar no meu núcleo familiar, que eu não sou um erro ambulante pela única expectativa que eu não consegui atender. 
Entender que dá pra chegar no fim do dia e no começo do próximo sendo amada e respeitada por quem sabe exatamente quem eu sou, e ainda assim escolheu me amar, todos os dias.
Entender que essas pessoas agora são minha família, minha tribo, as que desejam me conhecer.
O resto é perdão. Perdoar a quem só sabe me amar de uma forma.
Perdoar a mim por desejar tanto esse amor. 
Perdoar minha criança por ter mentido por ele.
E seguir. Isso é justo. 
Não pagar com minha saúde mental a missão de vida que eu achei que tinha aos 8.
Não pagar com minha sobrevivência, as distorções dos 9.
Não pagar por tudo que eu não soube ou não conseguir dizer, pela pouca idade.
Foto: "Tudo ou Nada" - Projeto: “Argila: Espelho da Auto-Expressão”
Não pagar com a vida por uma mentira que contei quando tinha 11 anos.
Não pagar. Não pagar. Não comprar uma demanda que não é minha.

Não fui eu que não aprendi a amar. 



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