Intrigo

O primeiro pensamento que tenho todas as manhãs desde que te conheci, é que eu te amo. Antes de abrir os olhos, quando percebo a consciência o amor por você me invade.

Mesmo antes de saber seu nome, e quando atribuía você a outros rostos, eu te amava de manhã.
Já houveram noites em que eu dormi dolorida, chorando algo sobre nosso amor, mas nunca houve uma manhã que eu não te amasse. 

Tenho o hábito de observar as relações. Analiso os casais, sem escrúpulos. Faço perguntas, inquiro como se sentem, como um acha que o outro pensa. A vida a dois sem vínculo sanguíneo é de longe o fenômeno social que mais me intriga e amedronta. 

Vejo como brigam, como muitas vezes olham com ódio uns para os outros, como desprezam certas práticas, como se cansam e choram de desespero. Quantas vezes dizem que não aguentam mais. 

Vejo como se defendem, como não se largam, como usam motivos ridículos para justificar a persistência em estar juntos fazendo de conta que são os motivos mais nobres do mundo.Como os olhos se perdem quando lembram quanto a pessoa (des)amada já fez por si e pelos seus. A admiração que pouco visita a casa passa ao longe e os olhos perdidos acompanham. A tristeza de quem perdeu alguém que amava dentro de alguém com quem dorme. Mas no discurso percebo, os defeitos ainda são os mesmos de quando se apaixonaram, então o que mudou?

Me pergunto em que ponto nós dois e todo o nosso respeito mútuo nos transformaremos nisso. Conversamos sempre sobre não reproduzir esses erros, sobre sermos melhores que isso, sobre nos comunicarmos sempre, e eu acredito: somos diferentes. 

Os casais mais velhos riem de nós, todos no começo eram assim, iam fazer diferentes dos pais, iam ser melhores, mas as coisas, o tempo, o dia a dia, os filhos, o dinheiro, as responsabilidades, as coisas da casa, a doença dos pais, as necessidades, tudo aquilo pelo qual juraram permanecer firmes no altar, se torna desculpa para o afastamento, para indiferença, para sarcasmo, cinismo, e desrespeitos diários. Tudo justifica o afastamento. E ninguém vê uma pessoa no outro, coisificam, objetificam e o funcionalismo dá lugar ao afeto.


Ouvir essas coisas me arrepia a alma. Tento me preparar pra isso acontecer conosco, mas não me conformo. Como posso deixar de te admirar, como posso passar a te ver como uma função na minha vida, na minha casa, se meu primeiro pensamento, todas as manhãs desde que te conheci, é que eu te amo?



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poético

Puerpério

Des-culpa