Oráculo da dor

- Moça
- Sempre achei que os oráculos foram feitos para serem consultados e não pra consultar.
- Não seja tão arisca. Você age como se tivesse feito algo errado.
- Devo ter pego manias de cavalo.
- Onde ele está?
- Correndo por aí e voltando pra casa ocasionalmente. Continua sendo um animal dócil e livre.
- Até que causou menos problemas do que eu esperava.
- Você tem estado errado com muita frequência.
- Isso quer dizer apenas que você tem enganado a si mesma. Não esqueça que eu não passo de você mesma.
- Não esqueço.Não me agrado. Nem sempre estou de acordo.
- Enfim, não te chamei para ouvir seus murmúrios.
- O que você quer?
- Saber. Essa é a minha função. É por isso que você me procura.
- Eu não costumo te procurar Oráculo.
- Sim, você costuma, e por isso estou aqui. Estou aqui para saber o que pensa estar fazendo com esse rapaz?

Longo suspiro. Pausa.

- Deixe-o em paz.
- Paz? Não sou eu quem o perturba. É você.
- O que quer dele?
- O que você quer dele? O que ele tem para te oferecer?
- Quietude, amor e sonhos.
- Você come e dorme em alguma dessas coisas? Quietude, amor ou sonhos pagam suas pilulas e sua beleza agora? Disso pretendem viver?
- Não, pretendemos viver de dinheiro, como se vive. Mas eu como e durmo qualquer coisa em qualquer lugar, e minhas pilulas e beleza são pagas pela minha solidão. Sem solidão não precisarei mais delas.
- Espero que perceba o quão ridícula essa crença é.
-Vivi me desacreditando nos últimos tempos e você nunca me impediu ou mostrou o quão ridículo isso era. Por que está criando problemas quando acredito em algo ou alguém?
- Ah Moça. Tentei de desacreditar do modo como queria casar, do domingo que ficou tão ensolarado que você por não suportar o calor teve de deixá-lo ir. E ainda de um cavalo que se tornou tão livre que acredito que não seja mais seu. Ou nunca chegou a ser. Onde já se viu um pássaro possuir um cavalo?
- Não é disso que estou falando. Você tem sido muito cruel.
- De todas essas fantasias tentei te dissuadir e sem resultados, dessa vez você passou realmente dos limites e está prestes a se casar com um homem que nada possui e logo mal existe, uma sobreposição vaga, um sopro de vida!
- Se mede o nível de existência de alguém pelos bens, se define o estar alguém no mundo pelo futuro que anuncia, você é o oráculo de ninguém. Por que eu nada tenho, e meu futuro arrisca nem existir, tenho tido dias cada vez mais intensos e dramáticos. Nunca sei se estarei em vida no dia seguinte e definitivamente não tenho nada pra oferecer se não amor, nem quietude, nem sonhos... embora para você não seja nada, ele é mais rico do que eu. Se pra você ele é um mendigo, eu serei o seu cão. Estamos ambos sedentos e famintos de amor, e nossa pilula e nossa beleza resume-se a amar, pode não ser dos bens o mais nobre mais é tudo que temos, e nos bastaremos.
- Não apreciarei o resultado disso.
- Não te dou o privilégio de vivenciar isso comigo, não te convido a assistir o que seremos nem a vir a nossa casa tomar chá com biscoitos domingo a tarde, por que não será bem vindo, não seremos amigos oráculo, não nos consultaremos.
- Isso se houver chá, biscoitos ou mesmo uma casa.
- Se não houver não está convidado também. Vamos morar na rua mas passaremos carência de tudo menos daquilo que com tudo que você tem, mais aspira ter.
- O que seria?
- Amor, Oráculo. Amor.


E em breve o Oráculo e a Moça não serão mais a mesma pessoa.





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