Carta



Querido meu amor,


Como está sendo essa temporada? Já vão trocando as estações e há quase três semanas não tenho notícias suas, a não ser pelo sábado de manhã que te vi passar na rua tão rápido, que só pude conferir que ainda te desejo. São exatamente 434 horas 30 minutos e 06 segundos, 07 segundos, 08 segundos... o tempo tem se arrastado e ainda faltam meses, talvez anos, o tempo que for preciso. Estou esperando, mas preciso te falar dessa inconstância que tem sido algumas dessas horas. Tenho desabafado com todo mundo que posso, é como contar a todos um crime pra não desaparecer no meio da noite e ninguém perceber o por que.
Esse é meu medo, me perder sem lutar. E que principalmente você não saiba onde fui ou por que e pense ter sido abandono. Não te abandonaria, nunca abandonei ninguém. E você tem muito mais do meu amor do que muita gente já teve, você nem imagina o quanto.

Sei que na verdade essa tempestade não tem nada que ver com você, e isso dói, se dependesse de mim, em tudo tinha um pouco da sua existência. Mas dessa vez não tem. É a pouca idade, a urgência ansiosa, a carência de saber do futuro, a imaturidade, a impaciência. É uma força brusca que divide as coisas, que sobrecarrega os polos. Tenho pensado em desistir de muitas coisas, pra não dizer de tudo. Só pra não dizer mesmo, por que tenho pensado. Não tenho suportado o sofrimento. Isso resume o que se passa, o desprazer normal na espera, a expressão carrancuda dos últimos dias, as dificuldades, tudo o que configura estar em vida. Me ocorre que a vida não é só sofrimento, mas as alegrias também não tem me apetecido. No fundo da minha xícara de café fica uma desesperança... pode ser por que parei de comer açúcar, e fica uma sensação de que o mundo é amargo ou tem uma doçura artificial. Não é mais a mesma coisa. Talvez seja normal isso, e eu que esteja resistindo. Agora eu tenho o amor que me faltava que é você, mas parece que perdi todo resto. Acho que uma vez eu disse que daria tudo que tenho por alguma coisa, provavelmente algo que não valeu à pena, e deu certo, tive a coisa desejada, e agora as coisas que tenho estão se indo, não perdi nada nem ninguém,  mas o que está se indo é o sabor das coisas. Me sinto ingrata e indigesta, por que não há uma razão legitima para sofrer. Tenho tido tanto, mais do que preciso, mas não tem sabor. Não sei se quero ter o sabor e ficar mais pobre das coisas... perder pessoas... privilégios... mas me parece que vou ter de lidar com essas opções. É o que tem pra de agora em diante.

Lembro que a culpa não era sua, mas que eu queria te contar como estavam os dias e por isso comecei essa carta. Acho que o quero dizer é que talvez eu fique mais amarga, mais calada, mais taciturna pelas escolhas que terei de fazer e ser assombrada pelas coisas que deixei pra trás. Em outras palavras, talvez eu fique como a maioria das pessoas, e estou avisando por que não sei exatamente o que você gosta em mim. Se for da minha ingenuidade e desejo de ser imensamente feliz, talvez isso desapareça. Mas se for do peso como vejo o mundo nesses textos talvez você se acostume com o que está por vir. Talvez você aceite, passe a mão no meu rosto e fique me olhando desse jeito como se sentisse sem saber o que dizer diante de uma das minhas perguntas ou pensamentos estrambólicos, essa expressão no seu olhar que me faz respirar o fundo e ter calma, que tudo vai passar. Vai que passa mesmo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Poético

Puerpério

Des-culpa