Noite, fogo e chuva



Quando eu tinha aproximadamente 9 anos, aconteceu a primeira vez. Foram muitas vezes naquele ano. Noites de fogo, como eu chamei. Naquele ano foram tantas vezes que logo mais eu tinha medo de dormir... passei a ficar triste sempre que começava a anoitecer, ate hoje fico melancólica as 17h. Sempre que via minha mãe chorando, sempre que meu pai parecia irritado, sempre que alguém ficava chateado por algo que eu fazia, sempre que eu percebia que tinha deixado de fazer algo, sempre que eu me sentia errada, sempre que fazia algo não tão bom, ou algo ruim. Sempre que qualquer coisa dava errado. Saía dos trilhos. Noites de fogo. Nessas noites é impossível dormir, o peito arde, as lágrimas descem copiosamente e molham tudo, mas sempre quentes, a dor é imensurável, não existem pensamentos, apenas uma barulho ensurdecedor, repreensão, vozes, regras, gravações antigas, qualquer coisa dolorosa. Toda noite de fogo termina exatamente às 5 da manhã, quando a tristeza  se torna insuportável e cansada, durmo ou quando não suportando mais o cheiro do quarto, levanto. Os dias que precedem essas noites, não são dias, é como quando chove muito e o sol parece que perdeu a hora. E tudo mais atrasa. É bom que não haja compromisso pois ficará a esmo. Todo diálogo do dia é espanto com os olhos inchados e a aparência de quem está cambaleando num parapeito. Na verdade é exatamente essa sensação, um  vento um pouco mais tarde é capaz de transforma o badalar do corpo e da mente, numa queda livre, rumo ao fim do que quer que haja lá embaixo.  Quando a gente é criança e tenta falar sobre o que sente, as pessoas sempre nos olham com olhos de quem está prendendo o riso, e dizem com muita segurança, vai passar. Estamos no outono de 2016. Tenho 24 anos agora. 15 anos se passaram desde a primeira vez que tive uma noite como essas. Ontem, foi mais uma. Algo saiu errado. E com o passar das horas a dor aumentou, gradativamente, ate não conseguir mais respirar. Eu já nem me desespero, passei por isso inúmeras vezes, antes de perder a consciência a respiração sempre acaba voltando, é só esperar o dia raiar.
Mas pela primeira vez em 15 anos, ontem, a noite de fogo foi diferente. Eram exatamente 1:18 da manhã e não havia mais dor. Mas não passou sozinha. Não passou de repente. Não com aquela certeza, aquela naturalidade e graça que os adultos usavam pra me consolar. Alguém me pegou no colo. Alguém cuidou da dor com seu coração. Alguém me assegurou que não iria embora. Então choveu e eu dormi. E hoje, foi o primeiro dia que precedeu uma noite de fogo, onde fez sol.
É assim que a gente sabe que cresceu, a gente olha pra si e sabe exatamente onde quer estar. A gente sente de olhos fechados onde é nosso lugar. E aprende o significado de “lar”, o lugar ou pessoa onde vivo, e está intimamente relacionado a sensação de segurança, conforto, pertencimento e calma.
Passou.




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