Seu parceiro cuida de você como pessoa ou como um carro?

 Todas nós sabemos que a maior responsabilidade sobre nós é nossa. Cada ser humano adulto como indivíduo tem a responsabilidade de se sustentar financeiramente, afetivamente, emocionalmente, espiritualmente, de cuidar das saúdes e bem estares. Porém a partir do momento que entramos em um relacionamento temos por hábito cultural firmar um pacto de cuidado. Vamos cuidar um do outro, porque amamos um ao outro. E “quando a gente gosta é claro que a gente CUIDA”! 

É pensando nisso que a maioria das mulheres entra em seus relacionamentos. Desde crianças aprendemos o significado da palavra cuidado, nossos primeiros “presentes” simulam uma figura humana vulnerável e aprendemos a vestir alimentar e segurar essa figura, a boneca, como um bebê, ao invés de brincar de verdade, como um mini treinamento precoce de cuidado de pessoas e de uma casa. Alguém achou que para garantir a ordem social as mulheres deviam ser treinadas para cuidar de tudo e do todo, e o homem cuidaria de... de... o homem cuida de que mesmo? Ele deveria cuidar de você. Mas se você já tem que se cuidar então ele é responsável por cuidar de que? Da casa? Dos filhos? Do dinheiro? Ficou confuso... Quem definiu tão claramente o papel da mulher coincidentemente (ou não) se esqueceu de definir o dos homens. 

Desde sempre as mulheres trabalham e cuidam de tudo, então não é exclusiva do homem essa tarefa, desde que há registro histórico da vida das mulheres, onde elas colhiam, teciam, plantavam, cuidavam das crianças, das casas, agenciavam servos ou eram servas. Sempre fizemos uma infinidade de trabalhos que qualquer pessoa que viva em comunidade deve fazer e inclusive atualmente é possível ter sua carteira de trabalho assinada por isso. Então independente de ser remunerado ou não, são profissões, é trabalho. Então os homens ficaram meio sem tarefa, e tiraram de alguns costumes e escritos sagrados que eles eram responsáveis apenas pelas provisões da casa, coisa que ainda que morassem sozinhos eles teriam que continuar fazendo. Ou seja, entenderam que é totalmente normal viver fazendo o mínimo por si, ainda que vivendo coletivamente. 

Então já que pra comer, seu parceiro precisa trabalhar com remuneração, que tarefa ele faz pela família? Por você como pessoa? Vamos olhar pra isso mais de perto? Se seu parceiro te leva ao médico quando você tem queixas, ele está cuidando de você como pessoa? Quando ele diz que você não deve/precisa trabalhar fora porque ele trará o dinheiro pra casa independente da sua carreira ou das coisas que deseja comprar ele está cuidando de você como pessoa? Quando ele compra comida, móveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos pra casa onde ele e talvez os filhos dele também moram, ou o instrumento musical, som ou videogame preferido dele, ele está cuidando de você como pessoa? Quando ele te incentiva a comer menos e fazer exercícios, mas ele mesmo não faz, ele está cuidando de você como pessoa? Quando ele proíbe ou fica muito irado e enciumado de suas ambições acadêmicas ou profissionais alegando os perigos do mundo, ou as necessidades das crianças ele esta cuidando de você como pessoa? Não. Ele está cuidando de uma máquina dele, como um carro, se esse motor pifar ele estará perdido. Ele terá que fazer o triplo ou quádruplo das tarefas que faz atualmente, e pior, ele terá que planejar elas e ele não acha que precisa fazer isso quando tem uma mulher por perto. Não estamos dizendo aqui que todos os homens são ruins, sem coração e que não se importam com ninguém, mas o modo como a sociedade os projeta e aceita é bem esse, os homens têm desde sempre o aval para serem de seus desejos para os desejos de si, de dentro pra dentro, mas ainda assim ser normal e aceitável eles necessitarem de ordens para fazer o básico do básico que um adulto funcional faz, por exemplo, limpar o próprio corpo e ambiente onde vive. 

Os meninos ganham carros, trenzinhos e motores, brincam com eles como acham que devem e quando crescem é basicamente isso que continuarão fazendo se eles mesmos não passarem a olhar menos pra si mesmo e mais para o entorno. Eles continuarão a cuidar de máquinas, e você sendo para ele empregada doméstica parceira sexual sempre disposta, cuidadora, babá, cozinheira e mãe, pode e provavelmente vai ser facilmente vista por eles como tal: uma máquina. E como não dá mais pra brincar de qualquer jeito com a máquina porque diferente dos carrinhos da infância a mulher fala, reclama, nega atenção, sexo, carícia, é dessa máquina que muitas vezes eles cuidam, pra que ela não pife. Eles compram um bom óleo pra o seu motor, te abastecem regularmente, te levam a oficina, e te poupam de coisas que talvez você mesma quer fazer como se você fosse a máquina mais linda e perfeita deles, a de melhor custo-benefício que precisa ser resguardada e protegida da vida, mas isso não é uma honra. Você não é um objeto valioso. E sua missão de vida? Seus desejos, seus talentos, sua formação, suas ambições, seus objetivos? Seus sonhos? Podar isso pra te poupar enquanto te tapeia com dinheiro e coisas não é cuidado, é tratar como função quem é gente. 

Eles fazem isso com as mães, e com todas as outras mulheres que cruzarem seu caminho se não tomarem para si mesmos a responsabilidade de perceber que são pessoas como eles e por isso devem ser tratadas como eles gostariam de ser tratados. Então muito cuidado com os argumentos, idéias, propostas, questionamentos e discursos dos homens que te cercam. Eles podem não ter acordado ainda sobre o quão cruel e inadmissível é essa forma de ver as mulheres e farão de tudo pra continuar assim, porque é cômodo, é fácil e é socialmente aceitável.

Conversem com seus parceiros sobre esforço mental de planejar tudo dentro de uma casa e de uma família, sobre divisão de tarefas proporcional por moradores adultos, sobre a divisão de contas proporcional ou a relação de economia de ter alguém em casa cozinhando e lavando roupa em relação a pagar uma lavanderia e comer fora, afinal se você não trabalha pelo dinheiro você propicia a economia de trabalhar para a casa, conversem claramente sobre o valor e os direitos de cada ser humano independente do gênero e se eles insistirem que vocês são máquinas, acreditem, será menos cansativo estar só do que numa relação onde de um lado uma mulher sozinha ama e cuida de tudo e do outro existe apenas uma relação homem-máquina.